O período glacial carioca

As janelas estão fechadas. As portas seguem o mesmo movimento e as cortinas, tão belas e dançantes em períodos de calor, acompanham o processo e intimidam-se, paralisadas em silêncio, frente ao incrível gelo que percorre a vida carioca nestes meses sofríveis. O terrível inverno.

A música Rio Quarenta Graus não foi escrita de forma ilustrativa, ela retrata uma realidade: “Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”. A felicidade do povo carioca em muito se deve à alta temperatura. São praias lotadas quase todos os dias, pessoas caminhando de blusinha regata e óculos escuros, divertindo-se frente ao prazer da liberdade que o calor proporciona. São mais pessoas na rua, mais interação, mais divertimento.

Ou ao menos para elas.

O sangue europeu que percorre minhas veias colocou-me em oposição à idéia do calor. O que muitos enxergam como prazer, eu vejo sofrimento. Milhões de pessoas emplastradas em suor, manteigas andantes com odores diversos e inebriantes. Uma vida baseada no sol, felicidade em caminhar de terno ao som das doze badaladas. O inferno da agonia insuportável de não ter uma única saída que não seja o ar condicionado, este responsável por um aumento gritante no valor da luz ao final do mês. Como pode alguém ficar feliz com suor nas sobrancelhas?

Por estes e muitos outros motivos, deixo pessoas estarrecidas quando declaro ser um amante do frio, apaixonado por estes três meses de alívio que o inverno proporciona. Período mágico em que não precisamos ficar com um ventilador a 30 centímetros de nossos corpos. A solução torna-se simples para ficar confortável: roupas. Não há gotas indesejáveis escorrendo pela testa, muito menos a terrível sensação de, mesmo após um banho fresco, querermos desesperadamente outro.

Porém, no momento em que reservo ao meu próprio estarrecimento, o que percebo são reclamações da esmagadora maioria. Cariocas em peso xingando a temperatura mais baixa. O suor faz falta, a agonia é desejada, o sufocamento parece uma droga que cria dependentes. A areia dentro da sunga e os banhos de água salgada (em parte ao expressivo teor de urina) criam um sentimento nostálgico à alma fluminense. Bem, não pra mim.

No fim, só posso agradecer e aproveitar cada momento de alívio, sacaneando os amantes das glândulas sudoríparas, como num espasmo de felicidade. E eles, revoltados, são obrigados a engolir a insuportavelmente baixa temperatura de 20 graus celsius.

Oh, coitados.