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Apenas dez centavos

29 de agosto de 2009

10centavos

Essa coluna é escrita por Marcel Albuquerque.

Como em qualquer outro dia típico, Pedrinho foi ao estágio e depois à faculdade. Como se tratava de uma quinta, por um conjunto de incompetências com interesses que pouco o favorecia, não havia aula depois das 20h – mesmo que isto fosse necessário; Pra que não haja incoerência com a realidade, é preciso detalhar que sobrou um trocadinho – coisa incomum -, que permitiu um lanche a mais e que ainda restasse algo em torno de um real além da passagem. Foi que, então, uma menina de seu curso passou por ele na rua. Ela precisava de exatos 35 centavos pra passagem. Pedrinho tinha pouco mais que isso de contingente, mas não foi problema: mui solidário, deu tudo que lhe sobrava.

Até esta hora, tudo acontecia normalmente. Eis que, num rompante de preocupação, o rapaz foi conferir se tinha o necessário pra voltar para casa. Ironia do destino: faltavam-lhe 10 centavos! Não conseguia acreditar que, logo após ajudar alguém com o mesmo problema, herdou-o; Olhou para os pontos de ônibus mais próximos, mas não conseguia mais ver a garota. Neste momento, cogitou estar fodido, mas encarou, de começo, como uma mini-aventura. Até porque, dava como certo que encontraria alguma moeda pela rua até chegar ao terminal. Mesmo que não encontrasse, sempre tem uma moeda perdida pela mochila.

Chegou ao terminal e recebeu um veredicto cru da realidade: de fato, ele estava fodido. Não tinha nada sobrando na carteira, nem uma pratinha brilhante na bolsa, tampouco achou – mesmo depois de muito procurar – moedas pela rua. Entrou num semi-desespero: foi procurando de estação em estação, afinal o preço da passagem não é “inteiro”, alguém deveria ter perdido algum dinheiro. Mas não, não havia nada. Teve, então, que exercer seu ateísmo não-praticante há muito escondido: fechou os olhos e disse sem dizer, querendo sem querer, que se Deus era mais que um amigo imaginário que não procurava há tempos, era só Ele colocar uma mísera moeda de dez centavos e pronto, ele procuraria-O. Contudo, a ressalva, não menos que justa, continha no rodapé: Não aparecendo moeda alguma, Pedrinho nunca mais falaria com Ele.

Não achou nada. Procurou em boteco, achando que algum bebum teria deixado cair, ou perto de algum caixa ou perto do próprio ônibus. Nada! Então, a solução parecia uma ligação para casa. Só que… Por dez centavos? Não valia a pena. O que restou, a princípio, foi a pretensão de ir a pé de Niterói a São Gonçalo – coisa que já fez, sem precisar -, mas além de longe e tarde, estava indisposto – provavelmente por causa daquele maldito italianinho.

Foi fadado ao óbvio: pedir dinheiro. E o fez; A menina bonitinha achou que fosse cantada e mal olhou. O homem de terno que saía do templo do consumo viu-no com indiferença. Uma senhora ficou com medo de ser assaltada. Depois disso, ficou inibido – foi espantoso que logo Pedrinho tenha feito tudo isso. Já não sabia o que tentar. Compreendeu, mais que nunca, aquele que rouba. Imagina faltar dez centavos quando falta mais ainda na barriga…

10centavos1

Encontrou uma senhora, vendedora de calendários, que já havia ajudado várias vezes. Exclamou: – “É ela!”. Muito sem jeito, pediu. A mulher, entendendo menos ainda, deu os exatos dez centavos. Ele segurou com toda força para que não perdesse no caminho, subiu no ônibus, entregou ao cobrador e torceu para estar certo – depois de contar umas treze vezes. Passou pela roleta, um banco estava à sua espera. O cobrador passou… Mas não foi cobrar-lhe.

Desceu do ônibus com uma incrível sensação de alívio e se deparou com o maior sarcasmo do acaso. Algo reluzia no chão: nada mais, nada menos que DEZ centavos!

Moral da história: Deus, ressurreição depois de três dias, beleza. Mas sabe como é. Neste mundo desigual em que há donos de empresas de ônibus e pessoas sem dez centavos, tempo é dinheiro. Então, se for dar os dez centavos ao coitado do Pedrinho, pague os juros.

Obs.: Pedrinho foi dormir pensando se a moça dos calendários tinha chegado em casa.

42 comentários

  1. Muito boa a crônica, parabéns.
    A maior coincidência é que hoje achei uma moeda de 10 centavos na rua…


  2. Isso foi verídico? É uma pergunta que todo mundo faz quando uma crônica é bem escrita e já fizeram para mim!


  3. Moral 2: não sirva de capacho à uma menina bonitinha, tu pode se foder bonito por causa disso, nesse caso até que ele vai ter uma historinha pra contar a ela.

    Só uma coisa, “Pedrinho” ficou meio estranho, sei lá, o cara tá na facul e fazendo estágio, o nome não combinou muito bem, poderia trocar por “Joãozinho”, né? xD

    Abraço, guri.


  4. Muito, muito bom mesmo, Marcel.
    E ainda diz que é um escritor medíocre…
    Insisto, eu é que sou uma escritora medíocre…


  5. Adoreiiiiiii! Já aconteceu cmg…mas faltavam mais q 10 centavos e eu n tive a coragem de Pedrinho…e voltei a pé p casa…rs. Sorte q n era mto distante. =P

    Bom…é legal ler alguém diferente por aqui…o teu texto da semana passada n tive paciência de ler…esse ficou bom.

    =*


  6. Um aspecto bem abordado também na crônica é como as pessoas julgam as outras segundo o próprio estereótipo.
    A menina bonita não se embeleza para não ser cantada. Ela gosta disso. Ainda que ignore, é algo que insufla seu ego.
    O homem de terno é o ator da indiferença do mundo. Eles dirigem empresas, ocupam cargos de liderança, e não sentem nem mesmo asco dos outros. Porque se sentissem asco, pelo menos notariam. Contrariamente, simplesmente indiferem. Não vêem.
    E as senhoras, atrizes que representam o cidadão comum, vivem cercadas no medo, esterilizando os abraços.


  7. bom texto, e a moral é boa.

    Uma vez eu achei uma moeda de 10 centavos no chão de manhã, ai de tarde achei mais duas, muito TENSO


    • Galera, só pra avisar que o Marcel está viajando pelo Nordeste, então deve demorar um pouco para responder os comentários de vocês.


  8. Fodido mesmo esteve quem perdeu os 100 reais que achei outro dia


  9. eu gostei da crônica. parabéns de verdade (: é realmente interessante ler algo diferente por aqui. não que eu não goste do felipe, claro. SWOSWODWODWFDO


  10. “Fodido mesmo esteve quem perdeu os 100 reais que achei outro dia”

    hahahahhahaha

    Adorei a crônica, não faz muito tempo vi um carinha nessa situação dentro do ônibus. Livros na mão, bem vestido, boa aparência.. E vasculhando os bolsos com cara de quem esqueceu a carteira em casa. Pior, já estava dentro do ônibus. rs.
    Péssima situação. Quando eu ía me pronunciar o vi cochichando com um rapaz que estava ao lado dele. O rapaz sorriu e pagou a passagem dele.


  11. Simplesmente sensacional Marcel!


  12. Se quiser usar essa viadagem de “qu’eu” e “d’eu” tem que pelo menos saber escrever em português correto.

    “…do templo do consumo viu-no com indiferença.”

    ——————————-

    Eduardo, é o Felipe aqui te respondendo. Vou só te dar um conselho, tente lembrá-lo para o resto da vida. Se não tem nada útil para falar, cale-se. Se tem algo útil a falar, diga. Porém, se tem algo útil mas gosta de falar de forma burra, mate-se.


  13. vou começar a andar com várias moedinhas de 10 centavos depois dessa…


  14. Hehe, muito bom o texto Marcel.

    Eu também já estava cansando só dos textos do Felipe aqui no CR, rsrs.
    Gostei mesmo do texto, espero que continue por um bom tempo 😀

    Abraço e sucesso!


  15. hehe.muito bom.
    Cara,nessas horas a gente se sente a pessoa mais impotente do mundo e só assim percebemos o quanto aqueles que precisam de fato de cada “10 centavo” para viver, sofrem.
    Acho que é uma aventura válida e que todos deveriam passar pelo menos uma vez ao ano.kkk
    Obs: de Niterói a SG não é o pior, quero ver do Rio a SG. Esse é meu medo, grande medo…Meus dois extremos, taão pertos e tão longe


  16. Hehe, muito bom o texto Marcel.

    Eu também já estava cansando só dos textos do Felipe aqui no CR, rsrs. [2]

    Não que eu não goste dos textos do Felipe, mas é bom variar um pouco…
    Uma vez aconteceu algo semelhante comigo, qnd eu morava em fortaleza,eu fui assaltada qnd estava saindo do cursinho e levaram o dinheiro (os livros pesadões deixaram…aff) q eu tinha p voltar p casa e nada menos que 5 pessoas se ofereceram p pagar a minha passagem…(por isso que eu digo, se Deus existe, ele deve ser cearense… =D)

    Abs.


  17. Então…
    Há pouco mais de um mês que venho acompanhando o CR e confesso que gostei dos textos do Felipe. Achei até interessante a ideia de colocar outra pessoa pra escrever também, mas daí a cair de bajulações sobre o Marcel com dois posts escritos???
    Não desmerecendo o Marcel, mas acredito que ele precise de um pouco mais de tempo pra poder ganhar consistência no CR…

    Em relação ao texto e a temática abordada… realmente é foda quando você ajuda alguém e logo em seguida é você quem precisa ser ajudado, olha para os lados e quem te socorre??? Ninguém!!!

    Sorte do Pedrinho que encontrou a mulher….


  18. eu axo que essa parte sobre deus foi felipe que colocou…
    bom texto so faltou polemica(bote uma aeee felipe)…


  19. seu primeiro texto foi um lixo, mas esse foi realmente muito bom, parabéns.


  20. O Marcel vai passar pelo Nordeste? Que estado? Talvez eu me esbarre com ele, dependendo.

    —————————

    Murilo, não faço idéia, mas acho que ele já está pra voltar.


  21. Então, será que Deus usou a senhora para ajuda-lo?


  22. Um drama aparentemente pequeno, afastado da mídia, mas real. Humanismo não é simpatizar com a pessoa que é mostrada na televisão, é se colocar no lugar daquela pessoa que está do seu lado, mas que ninguém vê. Compaixão: sentir com o outro.
    Quanto a queixa do eduardo sobre o q’eu, d’eu, você poderia se beneficiar um pouco de Fernando Pessoa. Caso semelhante existe em copo d’água. É realmente aproximar a língua falada da escrita. Vlw é só preguiça, e não cultura.


  23. Pessoal, tô num congresso na Paraíba e não chegaram meus comentários. Ficou bem difícil responder, pela falta de lans perto. Mas cá estou, melecando o teclado de tapioca!hahaha

    Em tempo, espero:

    Agradeço àqueles que apreciaram e informo que, quanto a ser verídico, tudo que se cria é derivado de algo que já existia, então até a fantasia tem algo de real – seja por existir de fato ou por viver nesse emaranhado entre pensamento e matéria.

    1)Não, não foi o Felipe que escreveu a parte de Deus. Sou ateu bastante tempo antes do Felipe – existem algunSSS ateus no mundo!hehe

    2)Eduardo, rapaz, é uma outra forma de falar. Se Chico ou Machado de Assis falassem diferente, você iria babar ovo. Mas no final das contas é tudo gente, com suas especificidades, incluindo a a maneira de se expressar. E, bem, sinceramente não vi um erro ali. No máximo, de pontuação. Mas depois a gente marca umas aulas!;)

    3)Lorenzo…hahaha…cara, são crônicas. Pedaços contados rapidamente d’uma pretensa realidade cotidiana. Então, realidade que é, a identificação vai variar de acordo com tua vivência, gosto e, admito, qualidade do texto. Mas que bom que virei o jogo contigo!

    Obs.: com licença que vou ali na praia e Itambaba(procurar no Google…hhuaUHAH)


  24. Cara, eu perdi dinheiro no fim de semana, ja passei por história parecida e fui o mais sincero que pude para o cobrador… rolou a passagem, mas, por inibição ja fui a pé de muuuuito longe pra casa.
    /excelente texto


  25. Foi erro do Pedrinho ter medo de pedir no próprio onibus.
    Muita gente contribui para outras poderem terminar de pagar a passagem.

    É só pedir na cara de pau.
    E 10 centavos todo mundo tem.


  26. Eu não entendi a moral da estoria….mas blz….foi legal a cronica….


  27. Marcel, não gostei do primeiro texto,mas esse é muito bom!! Já aconteceu comigo coisa pior na época do ensino médio, gastei todo o dinheiro que tinha nas Americanas na garantia de que alguma amiga tinha dinheiro ou vale-transporte para me emprestar… Não tinham, tive que devolver algumas coisinhas para poder ir pra casa, se eu ligasse para alguém de casa, iam falar até… Enfim, acontece com todo mundo,mas parece que é uma eternidade até tudo se resolver!!


  28. muito bom o post, não jogo mais fora as moedas de 10 centavos!=T


  29. muito interessante 😀
    um dos visitantes do blog que enviou?


    • @myllisLima:
      Não, o Marcel é o novo colunista de crônicas aos sábados.


  30. Um vez emprestei dinheiro para uma mina tambem… fiquei sem um puto!tive q volta a pé da santo amaro até a paulista….foi tenso.
    talvez seu eu tivesse rezado,alguma velhinha poderia ter me ajudado xD


  31. Ahhh Tbm moro em São Gonçalo e já me ocorreu algo Parecido, estava eu no Terminal de Niterói com o meu RioCArd de estudante e sem ennhu misero trocado no bolso, até que quando me dirigo a roleta, o cartão resolve não funcionar.. 23:00. Liguei pra ksa e fiz meu pai me esperar no ponto pra pagar a passagem ao cobrador.


  32. Marcel, saia dessa internet, essa terra é o maximo, aproveite o por do sol mais bonito e o local mais Leste do Brasil.
    Tambaba, Tambaú, Cabedelo, Coqueirinhos, Coqueiros, Areia Vermelha, Cabo Branco…\o/
    Uou, eu quero…
    Estais no ENECS?
    Huahua,por pouco não estivemos proximos.
    Ahhhh, João Pessoa, aproveite tudo aí por mim.

    Obs: Tambaba = Primeira praia de Naturismo do Nordeste.

    O post?Comento depois…Ah,to empolgado com as lembranças de Jampa


  33. Muito legal sua crônica. Qd era criança minha família era bem pobre e um dia precisávamos de 5 centavos pra comprar 04 paezinhos.. (verdade mesmo) Tivemos que ir pra padaria olhando pro chão pra ver se achavamos 5 centavos. Achamos 50 centavos!! Deu pra comprar 6 paezinhos na época… rs
    Parece engraçado, mas mostra o quanto é triste e humilhante ter que pedir dinheiro pra alguém, mesmo que seja 10 ou 5 centavos. Todos nos olham como se fóssemos miseráveis… Pra uma família então, é mais humilhante do que parece.
    Abraços.


  34. Muito bom. Fiquei fã de primeira do site. Já tá nos meus feeds!
    O curioso é que você trata de assuntos tão próximos: constrangimento
    ao pedir esmola, real valor do dinheiro e corrupção explícita no governo.
    É de ficar louco mesmo! Leitores, cuidado!


  35. No sábado, eu volto. Ou melhor, começo a voltar. Porque a viagem dura dois dias…e ainda vislumbramos passar em Olinda descendo o país, dando uma graninha a mais pr’os motoristas…hehe

    …Thiago, tu tá no ENECS tb?Ou aqui próximo?Se estiver, passa no alojamento da UFF. Amanhã vou dar uma passada em Recife com um pessoal de Minas e, apesar de estar respondendo vocês por aqui, já conheci coisas bagarai por aqui!haha

    Abraços a todos, VISSE?

    * Nelson: Deus ajudou?Será?rs


  36. Ih Marcel, que nada meu caro.
    Sou do Rio e aqui estou, a trabalhar por sinal.
    Quando falei que quase estivemos próximo foi porque eu conheci Jampa no final do Ano Passado e me apaixonei, quero voltar, aliás, tenho muitas histórias em aberto por ai.
    Eu ia no ENECS, se algum dos meus amigos que fazem CS tivessem me avisado antes, ficou em cima da hora, então babou. APESAR DE SER DE COMUNICAÇÃO SOCIAL.

    Abraços, curta tudo por aí.
    É, levei 49h na viagem, com direito a dormir na P.Rodoviária e tudo, devido a onda de assaltos nas estrada de Recife…Ah, Recife.
    PQP, eu amo o Nordeste.kkk

    Onde ai em Jampa vocês estão?
    Na UEPB, na UFPB ou em hotel?
    Abraços


  37. Uau, Parabéns Marcel!
    Essa observação final foi fantástica e fechou com chave de ouro “salvando” o fim, não quer dizer que não está bom, mas que graça seria se ele apenas entrasse em um bus e fosse pra casa? Tá e achar uma moeda não seria algo tão surpreendente, mas esse momento reflexivo da personagem foi ótimo!
    Quantos de nós também já não passou por uma situação como essa né?

    Abraços
    =]


  38. Social comments and analytics for this post…

    This post was mentioned on Twitter by felipeneto: Nova coluna de Marcel Albuquerque no CR! Apenas 10 centavos – http://tinyurl.com/l97mqm


  39. oi gosteitttitti



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